O corpo como palco das nossas histórias

O corpo não é apenas biologia, ossos e músculos. Ele é também um espaço simbólico, onde memórias, emoções e experiências se inscrevem em silêncio. Cada dor persistente, tensão inexplicada ou fadiga que insiste em retornar pode ser, na verdade, um capítulo de uma narrativa que não encontrou palavras.

As doenças psicossomáticas mostram isso com clareza. A ansiedade que acelera o coração, a tristeza que aperta o peito, a raiva que tensiona os ombros, todas são expressões de uma linguagem que não passa pelo discurso, mas pelo corpo. Como lembra a psicanalista Joyce McDougall, “o corpo fala quando a palavra falha”.

A saúde integral, nesse sentido, exige que olhemos além dos sintomas. Não basta tratar a dor sem compreender o que ela simboliza. O corpo carrega marcas da nossa história pessoal, mas também das pressões sociais: a sobrecarga de produtividade, o peso das expectativas de gênero, os silêncios impostos pela cultura. É nesse cruzamento entre o íntimo e o coletivo que a doença muitas vezes nasce.

Assim, cuidar de si vai além de exames clínicos e tratamentos isolados. É um exercício de escuta profunda:

O que o meu corpo tenta dizer? Quais histórias não ditas ele está encenando?

Reconhecer essa dimensão abre espaço para um cuidado mais humano, em que corpo, emoção e sociedade deixam de ser fragmentos separados e passam a ser vistos como partes de um mesmo campo.

Porque, no fim, a verdadeira saúde não é ausência de sintomas, mas a capacidade de viver em coerência com as histórias que habitam o nosso corpo.

Referências

  • McDougall, J. (1989). Teatros do corpo: o psicossoma em psicanálise. Rio de Janeiro: Imago.
  • Foucault, M. (1976). História da Sexualidade I: A Vontade de Saber. Rio de Janeiro: Graal.
  • Merleau-Ponty, M. (1945). Fenomenologia da Percepção. São Paulo: Martins Fontes.