AnálisePsicodramática da Obra 'LGBTQIA+ Além do Arco-Íris'

O Psicodrama como lente para narrativas de resistência e transformação
Neste texto, exploramos o livro LGBTQIA+ Além do Arco-Íris a partir dos conceitos centrais do Psicodrama. Mais do que uma coletânea de relatos, a obra se apresenta como uma grande cena pública: um palco simbólico onde experiências de exclusão, descoberta, dor e amor são dramatizadas em palavras, convidando o leitor à escuta sensível e transformadora.

· LGBTQIA


1. O palco da vida como cena pública

O livro 'LGBTQIA+ Além do Arco-Íris' pode ser compreendido como umagrande cena pública psicodramática, um espaço de enunciação coletiva onde
sujeitos LGBTQIA+ retomam a palavra sobre suas trajetórias. No Psicodrama, a
cena é o lugar simbólico onde a realidade interna encontra a realidade externa.
Ao transformar experiências de exclusão, violência, amor, descoberta e
superação em narrativas compartilhadas, o livro possibilita que o leitor
testemunhe e participe das transformações subjetivas e sociais dos autores.

Segundo González (2000), a cena é uma reorganização simbólica do mundo vivido,
e o palco psicodramático é um espaço de espontaneidade, autenticidade e escuta.
A publicação da obra em formato de coletânea reforça a noção de que as
histórias pessoais são também produções culturais e políticas, gerando reflexão
e ação no coletivo.

2. Catarse de Integração como experiência de cura

A catarse de integração é um dos objetivos fundamentais do processopsicodramático. Diferentemente da catarse emocional, a catarse de integração
permite ao sujeito elaborar cognitivamente as emoções que vivencia,
reorganizando papéis e vínculos. Na obra, os relatos escritos funcionam como
dispositivos catárticos, oferecendo uma via simbólica para reintegrar memórias,
traumas e descobertas à identidade de cada autor.

Penha Nery (2004) destaca que a catarse de integração ocorre quando o sujeito
consegue dar novo sentido ao vivido, rearticulando pensamento, emoção e ação.
Ao compartilhar sua história com o coletivo, o autor também se reconhece como
parte de uma rede viva e acolhedora, o que fortalece sua resiliência psíquica e
afetiva.

3. Papéis sociais e espontaneidade


A teoria dos papéis é um dos pilares do Psicodrama. Para Moreno, asaúde mental está diretamente relacionada à capacidade de desempenhar novos
papéis com espontaneidade e criatividade. Os relatos contidos no livro mostram
sujeitos que, após vivenciar papéis impostos pela sociedade — como o da
vergonha, silêncio, marginalização — desenvolvem novos papéis: o de militante,
o de artista, o de cidadão, o de agente político.

Moreno (1992) afirma que a espontaneidade é a resposta nova a uma situação
antiga ou a resposta adequada a uma nova situação. O livro, ao permitir a
expressão simbólica de experiências de vida, favorece o desenvolvimento de
papéis espontâneos e criativos, capazes de romper com a lógica do estigma e da
exclusão.

4. Tele e rede sociométrica comunitária

O conceito de tele, introduzido por Moreno, refere-se ao vínculoafetivo recíproco e espontâneo entre as pessoas. É o afeto que circula entre os
membros de um grupo e sustenta suas trocas emocionais. Na obra, a tele se
manifesta na identificação, no reconhecimento e na empatia que os leitores
experienciam ao se conectarem com os relatos ali presentes.

A publicação funciona como um catalisador sociométrico: ela fortalece a rede
vincular da comunidade LGBTQIA+, promove sentimento de pertencimento e permite
que a dor e a alegria de um sejam sentidas por muitos. Moreno (1953) afirmava
que a coesão de um grupo depende da qualidade dos vínculos telepáticos entre
seus membros.

5. Escrita como dramatização simbólica

A escrita, neste contexto, é compreendida como uma dramatizaçãosimbólica. Ao transformar a experiência vivida em narrativa, o autor realiza
uma ação semelhante à dramatização cênica: ele revisita, reinterpreta e
ressignifica suas cenas internas. A linguagem escrita se converte, então, em um
palco simbólico de elaboração subjetiva.

Como aponta Pereira (2017), a escrita tem potência terapêutica e política, pois
permite que o não-dito ganhe forma e circule socialmente. A obra, ao reunir
essas escritas, assume um caráter de intervenção psicossocial — é uma cena
pública de transformação, que convoca o outro à escuta ativa.

6. Sociodrama como revolução do espírito

Moreno compreendia o sociodrama como uma ferramenta potente detransformação social e cultural. O sociodrama atua sobre os papéis sociais e
permite que os sujeitos e os grupos reorganizem suas vivências a partir da ação
criativa coletiva. O livro cumpre essa função ao dar voz a protagonistas
silenciados e ao construir uma cena onde a comunidade LGBTQIA+ é sujeito de sua
própria história.

A publicação é, nesse sentido, um gesto de revolução do espírito — conceito
moreniano que propõe que a verdadeira mudança ocorre de dentro para fora, do
sujeito para a cultura. É por meio da cena, da palavra e da escuta coletiva que
se promove transformação real.