O papel do psicodrama em um mundo que se vê diante de uma onda ultradireitaconservadora que se propaga e alimenta discursos e politicas antidemocráticas deve ser de resistência e também de educação. Ao atuarmos como Psicodramatista temos a chance de evidenciar suas práticas e reforçar seu caráter político-crítico como ferramentas de luta neste contexto atual tão distorcido que passa, em alguns casos, a sensação de desanimo e de desesperança. O nosso papel profissional também requer de nós consciência, uma consciência que segundo Martin-Baró (1997) “inclui, antes de tudo, a imagem que as pessoas têm de si mesmas, imagem que é o produto da história de cada um, e que obviamente, não é um assunto privado; mas inclui, também, as representações sociais”.
A retórica populista de temas como corrupção, crise na economia, queda da moral e
dos valores tradicionais e conservadores encontraram lugar em uma parcela da
população que se viu e se vê representada, e eliminar o contraditório é fundamental.
Por isso ser um antifascista é quase uma condição moral do Psicodramatista.
Cada um de nós enxerga a sua realidade a partir da sua história de mundo. E
justamente por sermos seres criativos temos a capacidade de criar novas formas
subjetivas e coletivas e nos colocar abertos a novas formas de ver o mundo. O
psicodrama é ação, movimento, ao lançar mão de seus recursos o psicodramatista
proporciona ao indivíduo (bipessoal) ou indivíduos (grupo) uma oportunidade de
refletir sobre o mundo que vive e a atuar nele de forma crítica.
E que mundo é esse?
Na pós-modernidade com o neoliberalismo enraizado na sociedade nos deparamos
com um indivíduo sendo responsabilizado pelo seu próprio bem estar, que se encontra
sozinho para a construção do seu projeto de vida e satisfação de suas necessidades em
uma busca solitária para solução individual de problemas que surgem no social. Viera
(2017) nos diz que “estar abandonado aos próprios recursos, evidentemente
inadequados para lidar com problemas gerados socialmente, e em um mundo no qual a
competição tomou o lugar da solidariedade gera uma crescente sensação de
insegurança”.
É bem verdade que não somos mais dependentes das máquinas da época industrial que nos exigiam trabalho quase análogo à escravidão e nos exploravam quase a exaustão.
O que nos torna dependentes e até coagidos hoje são os inúmeros aparelhos digitais
que transmitem a ilusão de liberdade, nos oferecendo uma mobilidade que passa a
ideia de podermos estar em qualquer lugar e por consequência torna esses lugares em
“local de trabalho e todo tempo em tempo de trabalho” (Han, 2020). E esse indivíduo
que acredita estar livre, está na verdade sendo um servo de si mesmo, explorando a si
mesmo.
Han (2018) fala dessa auto exploração que envolve todas as classes, como aimpossibilidade de uma revolução social uma vez que “por causa do isolamento do
sujeito de desempenho explorador de si mesmo, não se forma um nós político capaz
de um agir comum”.
Quantos clientes chegam a nossa clínica com diagnóstico de depressão, ansiedade,
boderline entre outros, sentindo se incapaz, incompetente, fracassado, em um
verdadeiro sofrimento psíquico. Esse adoecimento pode ser em alguma medida, fruto
desse ambiente cruel que exige do sujeito produção constante, competição, busca de
riqueza e caso não conquiste o que almeja a responsabilidade é só sua, a sociedade, as
instituições o Estado não tem nada a ver com isso. Han (2018) também vai dizer que
“quem fracassa na sociedade neoliberal de desempenho, em vez de questionar a
sociedade ou o sistema, considera a si mesmo como responsável e se envergonha por
isso”. Ao invés de suscitar no sujeito indignação e esse por sua vez se rebelar contra o
sistema, a lógica neoliberal transforma esses sujeitos em depressivos.
Merengue (2024) reflete sobre esses sujeitos assujeitados, que ao se deparar com a
realidade passa a acreditar no que ele chama de “pós-verdade, nas fake News”. E essa
crença comanda os comportamentos; impondo, dividindo, excluindo e controlando
corpos e mentes, tudo isso se materializando nas instituições: família, escola, empresa
e igreja sob a égide das regras, normas e rituais. E nesse contexto acaba sendo
acreditado como verdade.
O sujeito liberal se pensa como empresa, psíquica, moral e politicamente. Estabelece metas “doque deve ser” e vive por elas, não devendo se deprimir. O cansaço é passageiro, a competição é
extremamente positiva, alguém autossuficiente não depende de nada nem de ninguém, Deus está
no comando (exclusivamente).
Nesse sentido Merengue nos recomenda checar sempre a matriz de identidade desse
cliente que chega até nós; seu núcleo familiar, suas relações sociais, seu papel
profissional, isso nos ajuda a entender um pouco quem é esse sujeito, de onde vem,
como é sua realidade. A ação no psicodrama é importante, como também são
importantes os processos que contribuem para a reflexão e a percepção das situações
que o individuo vive. Vieira (2025) sugere que devemos olhar para nossa própria
história e por vivermos em um país tão desigual nosso papel de psicodramatista
brasileiro “demanda um enraizamento histórico, social e político da ética
psicodramática alicerçada na filosofia da espontaneidade e da criatividade”.
O neoliberalismo se torna potente ao isolar o sujeito e transforma lo em umconstante competidor. Há uma luta desmedida por sobrevivência em um contexto de
concorrências sem limites. E essa luta desenfreada, essa busca por sobrevivência, essa
competição constante enfraquece o que deveria ser cultivado que é o vínculo. E a
ausência de vínculo, ainda que estejamos cada vez mais conectados, só nos torna mais
solitários e isolados. Ao nos vincularmos, em qualquer dos contextos de nossas vidas,
seja no âmbito familiar ou profissional e até mesmo nos nossos momentos de lazer
produz em nós um sentimento de prazer. E a contribuição que os psicodramatista
podem oferecer para desmantelar o neoliberalismo talvez seja promover ações e
projetos alternativos para a reconstrução de um imaginário coletivo que coloque a
dignidade humana acima do lucro.
Sendo assim, seria imperioso que resistíssemos ao projeto neoliberal de nos isolar e
nos transformar em marionetes do capital e buscássemos investir em nós mesmo, no
autoconhecimento, fortalecendo nossas capacidades e potências, nos preparando para
lidar com o diferente, com as rejeições, possíveis abandonos, com as surpresas e as
novidades. E como bem disse Nery (2018) “aprender com os conflitos; superar as
condutas dissimuladas; e conquistar mais eficiência na comunicação, a autenticidade e o respeito mútuos”.