Publicado originalmente em 1994, o livro: Os Onze Sexos: As Múltiplas Faces da Sexualidade Humana, de Ronaldo Pamplona da Costa, é uma
obra pioneira na tentativa de ampliar a compreensão da sexualidade para além do
binarismo masculino-feminino. Médico, psiquiatra e psicodramatista, Pamplona
foi uma das vozes mais ousadas de sua época ao tratar da pluralidade de
experiências sexuais e de gênero como expressões legítimas da subjetividade
humana.
A obra se propõe a categorizar a sexualidade humana em onzeexpressões distintas, rompendo com os paradigmas tradicionais da
heterossexualidade compulsória e da cisnormatividade. Pamplona propõe que, ao
compreender esses diferentes modos de viver a sexualidade, a sociedade pode se
tornar mais tolerante, empática e respeitosa com as diferenças.
Contribuições Relevantes
Uma das maiores contribuições do livro está na tentativa de ofereceruma abordagem biopsicossocial da sexualidade. Pamplona compreende o sexo como
um fenômeno que transcende o corpo e se enraíza na cultura, nos afetos e na
linguagem. Ao propor onze categorias sexuais, o autor convida o leitor a
repensar suas próprias crenças sobre o que é "normal" e o que é
"desviante".
No contexto do Psicodrama, sua leitura também contribui para areflexão sobre os papéis sexuais e os condicionamentos sociais impostos ao
desejo. Como homem gay e psicodramatista, Pamplona utiliza sua própria vivência
como potência transformadora, propondo uma escuta clínica mais aberta, ética e
libertadora.
Limitações e Atualizações Necessárias
Apesar de seu caráter inovador, algumas das classificações propostasno livro podem soar datadas ou excessivamente tipificadas à luz das discussões
contemporâneas sobre gênero e sexualidade. Termos como 'hermafrodita' e
abordagens essencialistas não dialogam plenamente com a perspectiva da
não-binariedade, da teoria queer ou da interseccionalidade desenvolvida nas
últimas décadas.
Ainda assim, o livro mantém sua relevância como marco histórico eponto de partida para um debate mais aprofundado, que hoje inclui aspectos como
identidade de gênero, orientação sexual, performance de gênero e descolonização
dos corpos — como propõe Laura Volmero em sua abordagem psicodramática crítica
e interseccional.
Mais recentemente, obras como Sexualidades, Corpos e Poder:Desobediências Criadoras (Nery, Eutrópio & Romero, 2024) atualizam essa discussão ao proporem uma abordagem psicodramática crítica e interseccional.
As autoras abordam temas como descolonização dos corpos, queerização dos processos
formativos e rematrização dos papéis sexuais, ampliando significativamente a
compreensão sobre diversidade e subjetividade. Se em Pamplona temos uma ousadia
inicial ao romper com a normatividade sexual, nas propostas de Penha Nery, Ana
Cláudia Eutrópio e Laura Romero, vemos o aprofundamento político e
epistemológico desse rompimento, considerando os atravessamentos do poder, do
racismo estrutural e das novas formas de amar, viver e desejar.
Conclusão
Os Onze Sexos é uma obra provocadora, corajosa e significativadentro da história da sexualidade e da Psicologia brasileira. Ronaldo Pamplona
abriu caminhos ao afirmar a diversidade como parte constitutiva da condição
humana. Para instituições como a Casa das Cenas, que valorizam a escuta, a
liberdade e o desenvolvimento de papéis diversos, o livro segue sendo uma
referência potente — não por oferecer respostas definitivas, mas por estimular
perguntas urgentes sobre quem somos e como podemos viver com mais
autenticidade, cuidado e respeito mútuo.