Maio é um mês de fortes mobilizações sociais e políticas. No dia 1º, celebramos o Dia Internacional do Trabalhador, símbolo das lutas da classe trabalhadora. No dia 17, o Dia Internacional de Combate à LGBTfobia nos chama à resistência contra a violência e o preconceito por identidade de gênero e orientação sexual. E no dia 18, o Brasil marca a Luta Antimanicomial — movimento que reivindica uma reforma profunda no cuidado à saúde mental, baseada na liberdade, nos direitos humanos e na dignidade.
Essas três datas, quando colocadas lado a lado, revelam a interconexão entre trabalho, saúde mental e direitos da população LGBTQIA+. E nos convocam a pensar: quais vidas têm acesso à dignidade? Quem está dentro e quem continua à margem?
Jacob Levy Moreno, criador do Psicodrama, da Sociometria e da Sociatria, nunca se limitou a uma atuação terapêutica tradicional. Sua proposta nasceu da convivência com prostitutas, crianças, refugiados e pessoas em sofrimento psíquico nos arredores de Viena. Suas primeiras experiências psicodramáticas ocorreram nos jardins públicos, nas ruas, nos campos de refugiados — com os esquecidos.
Camila Gonçalves et al. (1988) lembram que o legado de Moreno é o de um pensador político e afetivo: ao propor o psicodrama como instrumento de mudança, ele apostava na ação grupal como forma de reorganizar os vínculos, de re-humanizar o laço social. A base de sua teoria é o “encontro” — esse espaço sagrado em que o outro deixa de ser ameaça e passa a ser possibilidade de transformação.
Para Bustos (1984), o psicodrama é antes de tudo uma práxis política: “não se trata apenas de curar indivíduos, mas de transformar as condições sociais que os adoecem”.
A Sociometria é uma metodologia moreniana que permite mapear os vínculos de aceitação, rejeição e invisibilidade em grupos. Ao aplicar sociogramas em escolas, equipes ou empresas, é possível visualizar quem ocupa o centro das relações, quem está isolado, quem é sistematicamente esquecido.
Moreno (2022), em sua obra Sociometria publicada no Brasil pela FEBRAP, aponta que a estrutura afetiva dos grupos é reflexo direto das opressões sociais. Ou seja: a exclusão que se revela no mapa sociométrico é também expressão do racismo, do sexismo, da LGBTfobia, do capacitismo e do classismo.
No mundo do trabalho, essa exclusão se traduz em dados alarmantes. De acordo com a ANTRA (2023), mais de 90% das pessoas trans no Brasil estão fora do mercado formal de trabalho. Muitas são empurradas para a informalidade ou para a prostituição como única via de sobrevivência. Mesmo pessoas LGBTQIA+ com formação acadêmica enfrentam taxas mais altas de desemprego, subemprego e discriminação (IBGE, 2022).
No dia 18 de maio celebramos a Luta Antimanicomial, movimento que surgiu no Brasil na década de 1980, inspirado na reforma psiquiátrica italiana e nas experiências de cuidado em liberdade. A luta antimanicomial defende que “em louco não há loucura, mas sofrimento”, e que o tratamento não deve excluir, mas reintegrar.
Essa luta tem tudo a ver com o Psicodrama. Moreno já dizia que “não há cura individual possível num contexto adoecido”. A prática psicodramática é profundamente antimanicomial: ela se baseia no vínculo, na escuta ativa, na dramatização do sofrimento e na criação coletiva de novas possibilidades de existir. É uma metodologia que nasce no “aqui e agora” do grupo e que valoriza a potência de cada sujeito, mesmo — e sobretudo — nos momentos de dor.
O Psicodrama oferece à população LGBTQIA+ um espaço de afirmação de identidade, elaboração de traumas, reconstrução de papéis e fortalecimento da autoestima. A inversão de papéis, o espelho, o duplo, a concretização e a dramatização coletiva são instrumentos que, mais do que terapêuticos, são políticos.
Judith Butler (2003), ao propor a teoria da performatividade de gênero, nos lembra que o gênero não é algo que se “é”, mas algo que se “faz” em sociedade — e que pode, portanto, ser reinventado. O Psicodrama atua diretamente nessa dimensão performativa: permite experimentar outras formas de estar no mundo, de habitar o corpo, de ocupar o espaço.
Caminhos concretos:
- Criar e apoiar políticas afirmativas para inclusão da população LGBTQIA+ no mercado de trabalho;
- Implementar oficinas psicodramáticas em empresas e instituições para trabalhar diversidade, empatia e escuta;
- Criar grupos terapêuticos com foco em saúde mental e diversidade, especialmente para pessoas trans e travestis;
- Incluir a temática de gênero e diversidade sexual na formação de terapeutas, psicodramatistas, educadores e gestores.
Na Casa das Cenas, acreditamos que a arte de cuidar é também a arte de transformar. Seguimos inspirados pelo legado de Moreno, pela coragem da luta antimanicomial e pelo grito vivo da população LGBTQIA+ que segue resistindo.
Maio é o mês do trabalhador. É o mês da diversidade. É o mês da liberdade. É o mês da luta por saúde mental, dignidade e pertencimento.
Que nossas cenas sigam em movimento.